Um dos meus maiores sonhos foi realizado no final de semana passado, que era de conhecer a casa de Pablo Neruda. Desde que eu li o livro “O Carteiro e o Poeta” de Antonio Skármeta, e também os poemas do livro “O Mar e os Sinos” de Pablo Neruda, fiquei enamorada pelo universo da casa de Isla Negra. Fiquei imaginando como seria a casa, imaginando os sinos e a praia. E para a minha felicidade, fiz parte deste universo, e presenciei uma das mais belas paisagens digna de poemas. Deu para sentir toda a inspiração do poeta.
O Mar e os Sinos
"(...) Mas também queria pedir uma coisa, Mario, que só você pode cumprir. Todos os meus amigos ou não saberiam o que fazer ou pensariam que sou um velho caduco e ridículo. Quero que você vá com este gravador passeando pela Ilha Negra e grave todos os sons e ruídos que vá encontrando. Preciso desesperadamente de algo, nem que seja o fantasma da minha casa. A minha saúde não anda nada bem. Sinto falta do mar. Sinto falta dos pássaros. Mande para mim os sons da minha casa. Entre no jardim e faça soar os sinos. Primeiro grave esse repicar suave dos sininhos pequenos quando o vento bate neles, e depois puxe o cordão do sino maior cinco, seis vezes. Sinos, meus sinos! Não há nada que soe tão bem como a palavra sino se a pendurarem num campanário junto ao mar. E depois vá até as pedras e grave a arrebentação das ondas. E se ouvir o silêncio das estrelas siderais, grave (...)” (trecho do livro “O Carteiro e o Poeta”)
Andar por debaixo dos sinos, tocá-los. Reza a lenda que ele sempre tocava os sinos para anunciar a sua chegada na ilha, e que também servia como saudação aos barcos que passavam por alto mar.
Ahh,o mar! De um azul escuro, quase topázio, o mar que se embala, que toca nos negros rochedos chamando-os para bailar ao som melódico do vento. A paisagem é poética e extremamente tocante. Como é lindo de se ver!
A casa parecia de brinquedo...
"A criança que não brinca não é uma criança, mas o homem que não brinca perdeu para sempre a criança que vivia em si e que lhe fará muita falta." (Pablo Neruda)
Era como entrar num universo de criança, um parque de diversões: tinha trem, sinos, cavalos, bonecas, barcos... infinitas coisas. A casa parecia um túnel comprido e estreito igual ao mapa chileno. Em cada compartimento o visitante se surpreendia, pois os lugares se diferenciavam um do outro; tinha muitas imagens; muitas esculturas de mulheres do mar, que pareciam vivas, e parecia que queriam saltar da sua base e falar um pouco com o visitante, falar sobre a história do poeta. Mas, impedidas pelas circunstâncias, limitavam-se em te fitar com os olhos enormes na esperança de serem entendidas e notadas.
O Cavalo
Numa das salas, tinha um cavalo de madeira em tamanho natural. Um cavalo que ele viu numa loja quando era criança. Contam que desde muito menino, ele falava que queria comprar esse cavalo; e o dono do armazém ria do garoto. Porém, bem mais tarde, o armazém sofreu um incêndio; foi quase todo destruído, mas o cavalo se salvou, tendo somente queimado uma parte da crina. Pablo Neruda, sabendo disso, deslocou-se o mais rápido possível para o lugar onde seria feito o leilão e conseguiu arrematar o cavalo. E por conta disso, promoveu uma grande festa para a chegada do cavalo que ganhou uma sala só pra ele, com direito a uma festa a fantasia. O anfitrião exigiu que os convidados viessem fantasiados, e com eles foram trazidos diversos presentes para o novo mascote; que nesta brincadeira ganhou três rabos:dois posicionados na traseira e um nas costas.
A mesa que o mar presenteou o poeta...
A história da mesa que o poeta escrevia é bem pitoresca. Dizem que foi numa bela manhã, depois de uma noite de tempestade, ele estava olhando para o horizonte e viu uma madeira flutuando perto dos rochedos e não hesitou em gritar Matilde: - Matilde, venha ver a mesa que o mar trouxe para o poeta! – E lá foram eles até a praia junto aos rochedos para resgatar a tábua que logo foi transformada numa mesa onde ele produziu os maiores poemas de sua vida.
Toquei na mesa do poeta, que ele escrevia constantemente. Escrevia com tinta verde. O verde por representar a “esperança”, sempre foi muito místico com as minudências. A fidelidade cabal pela tinta verde era tanta, que dizem que durante a Guerra Civil da Espanha, Neruda escreveu alguns poemas mais marcantes do seu tempo. Porém, um foi interrompido, pois a provisão de tinta verde se esgotou em toda Madri. Quando um novo carregamento chegou, depois de uma semana, ele não conseguiu resgatar o poema, pois sua inspiração havia acabado. Outra mania do escritor era de sempre lavar as mãos antes de escrever, lavava-as numa pia ao lado da sua mesa. Escrevia sempre de frente para a janela, onde poderia ter a visão de todo o litoral.
O Colecionador
Além de ser escritor, o poeta era um autodidata em ornitologia- a ciência que estuda os pássaros- diversas pinturas de pássaros, de todas as espécies, ornamentavam as paredes por toda casa. O lar também possuía uma sala com uma coleção de borboletas e de insetos, que o poeta trouxe de vários lugares do mundo, igualmente muitos deles foram presentes de amigos. E finalmente, na última sala, tinha uma exposição de conchas de todas as cores; as mais belas que eu já vi na minha vida.
A Morte
“Compañeros, enterradme en Isla Negra, frente al mar que conozco, a cada área rugosa de piedras y de olas que mis ojos perdidos no volverán a ver...” (Pablo Neruda)
Emocionei-me ao ver o túmulo de Pablo Neruda ao lado de Matilde Urrutia, seu eterno amor. O poeta faleceu, decorrente de um câncer de próstata, em 23 de Setembro de 1973. Após, o golpe de Estado liderado por Augusto Pinochet. Dizem que sua saúde veio agravar-se depois que escutou as últimas palavras do seu amigo Salvador Allende, que havia sido deposto da presidência pelas Forças Armadas do Chile. E Matilde veio a falecer somente em 1985. Apesar do longo tempo, a vontade do poeta foi feita: os dois foram sepultados lado a lado com túmulos direcionados ao mar, na sua casa preferida, em Isla Negra.
O Mar
Ao me despedir da casa, fixei os olhos no horizonte que se deitava sobre o mar; e vi que o mar acariciava os rochedos negros; e os rochedos negros por sua vez estavam sendo abraçados pela areia branca. E por um devaneio, entre essa harmonia de cores e cheiros, pude ver Matilde com sua cabeleira rebelde vermelha correndo pela praia, subindo nas pedras, em grandes risos com o seu o seu amor Pablo Neruda.
Despedida...
Hoje é meu último dia no Chile, pois voltarei ao Brasil. Vou embora levando muito deste belo país dentro de mim. Levo também um pouco do poeta e da alegria deste povo. Obrigada Chile por todo o aprendizado!
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Eu, na primavera de Santiago do Chile. |
Imagens: minhas, e da Fundação Pablo Neruda.
Fonte de pesquisa: guia eletrônico do museu de Isla negra e Fundação Pablo Neruda